terça-feira, 20 de abril de 2010

Sempre existe o que não existe mais.


Na infância perdida, em um mundo de sonhos e picolés. No sabor cheiroso dos circos e tardes de Domingo, na saudade ingrata dos abraços sem compromissos, no aperto importuno que faz lembrar o que não pode voltar.

Em um lugar onde nada parecia tanta coisa e as grandes coisas pareciam não pertencer a um mundo real. Doce mundo de fantasias, de sonhos, de querer é poder e não fique parado. Um lugar de todos e com poucos, amigos pra toda vida, pra eternidade de uma tarde, daqui até a eternidade dos minutos próximos. Não que se queira lembrar com pesar, mas que se possa saber que foi bom, que foi boom e que foi, foi e não mais é, foi.

Pessoas que passam e ficam e quando ficam passam, nada é constante, claro, a roda gigante, o parque está na cidade, é hora de chamar todos aqueles que serão pra sempre e que já não estão mais com quem já fui. Saudade, talvez... Fotos, lembranças, brinquedos, promessas. Não sei onde está a confortante voz que me dizia: vai ficar tudo bem.

O grande prazer de saber que se sabe coisas, hoje, tão pequenas. Saber que um vezes qualquer um é sempre ele mesmo. Saber dividir todas as balas, as bolas, as bombas por quantas pessoas estiverem inscritas, quantas pessoas a pró sabia contar? Saber que irmã de mãe é tia. A tia da cantina, da secretaria, lá do prédio.

Na infância, sonhos. Tenho um band-aid posso curar sua ferida, me dê sua mão que eu vou te ajudar. Na minha malinha tinha curativos, retratando a inocência de quem não é esmagado pelo conformismo de que o tempo cura o mundo. Poderia curar, limpar, cobrir, assoprar e dar beijinhos; agora você fica bom, pai. Tempo de acreditar em fadas que se importavam quando lhe era arrancado um dente, parte de si, de mim. Personagens tão reais e impossíveis, talvez um modo de criar alguém que te de esperanças, que te faça esperar, que acredite nas suas crenças e te recompense por sonhar.

Nem tudo era tão fácil, imagina-se o quão difícil saber que naquela manhã não poderia assistir o castelo Rá-tim-bum e nem brincar de ser qualquer um.

Quando chorava o mundo ouvia e se importava, as lágrimas não eram tão velozes para conseguirem terminar de cair, dedos de gente grande apertavam os olhos pequenos de quem só tinha motivos pra sorrir. Mas não sabia. De quem podia gritar, mas não sabia. De quem podia correr onde quisesse e sorrir tão mais que pudesse, mas não sabia. De quem era maior e mais forte que tudo aquilo que a envolvia, mas não sabia. Hoje sabe. Sabe que podia e fez e mês e ano e hoje. Passou, mas não passou a dúvida: por que todo mundo não pode comer e brincar e morar e vestir e sorrir igual, pai?

Passou a crença ingênua na resposta de sempre: um dia, filha! Questionou: um dia quando? Descobriu: amanhã! Pensou: amanhã já é hoje? Concluiu: Amanhã é sempre amanhã.

Não mais criança e o tempo esmaga; FAÇA! FAÇA! FAÇA! Não mais doce se comer tudinho; sem vontade de curar e dar beijinhos. Não mais parque no Domingo; não mais picolé de limão; não mais dentes escondidos no travesseiro; não mais festas no chuveiro. Mas ainda a lembrança resgata o que pode ser esperança. Não, ela não se foi, ainda existe, lá no fundo existe, eu sei que existe, me disseram que existe. Pai, põe a comida pra mim?

Um comentário:

  1. Vc soube retratar nossa infância sem tirar e nem por.
    Simplesmente lindoooo!

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