sexta-feira, 23 de abril de 2010

A Feliz-idade passa desapercebida.


E a felicidade de quem se dizia uma grande bailarina não precisa ser descrita ou explicada, está dita no que não se diz. Feliz depois de ter seus cabelos repuxados numa tentativa desesperada do seu pai de arrumar seus cabelos pouco rebeldes. Feliz em ir ao balé logo pela manhã, feliz em acordar cedo e escovar os dentes com pasta sabor uva, feliz em esperar, em ir de ônibus, feliz por não saber fazer poses pra fotos... Feliz por estar ali, por ser feliz.

Não buscava felicidade em grandes momentos, em grandes pessoas, mas a encontrava em qualquer coisa, na mesma proporção que encontrava motivos pra chorar e chorava, mas percebia tanto nas coisas tão pequenas que se soubesse naquela época a proporção dos terremotos, viveria debaixo da cama. Mas sabia muitas coisas, sabia o que cada abraço lhe queria dizer, sabia a importância do colo que sua mãe a disponibilizava todas as noites para assistirem juntas às novelas, sabia dos seus sofrimentos eternos esquecidos no dia seguinte, sabia quando deveria ficar calada, pois sempre foi assim. Mas sabia também conversar não-se-sabe-com-quem quando sentava-se na sua cadeirinha amarela e se apoiava na mesa da mesma cor, negando e oferecendo um pouco do que comia na hora.

O medo existia, medo de que macacos invadissem sua casa à noite, medo de que seu irmão não subisse, e não subiu, para comer o bolo do aniversário dele de 18 anos, medo dos domingos, tão eternos e pra sempre lembrados, mesmo que esquecidos. Medo de ficar só no parque da escola, medo de não ganhar pipoca. Mas nunca o medo de ficar sozinha, isso era tão impossível e ainda o é, pois quem esteve com ela e a amou mesmo antes de conhecê-la está até hoje, até sempre.

Tem quem pense que a felicidade precisa vir acompanhada sempre de um motivo, de um por que.

Mas felicidade é coisa assim, que vem e vai e quando vai volta e só vai porque precisa ir já que não existe o que é feliz sem que haja o que é triste. Assim como não existiria o que é muito se não soubéssemos do que se faz o quase nada.

O perfeito existe, mas não é reconhecido, pois se imagina sempre que ele é o tudo que sonhamos. Talvez o perfeito seja apenas os 10 segundos que qualquer pessoa mais importante da sua vida te faz levantar os olhos e sorrir um sorriso discreto, sem exageros, mas tão sincero e espontâneo que duraria a eternidade dos próximos 10 segundos se fosse preciso, mas não é, pois foi suficiente e infinito pelo tempo que foi e mesmo que tenha ido, ficou.

Mas o que se chama de perfeição vem abarcada de coisas grandes, duradouras e exageradas. Não bastam os 10 segundos, queremos sempre os 10 minutos e por que não as 10 horas, 10 dias, meses, anos, séculos, sempre, nunca! Enquanto se espera a felicidade incalculavelmente sem defeitos, ela passa, passa pelo pouco tempo que não dispomos às pequenas coisas.

De hoje em diante serei tão feliz quanto sempre fui, sabendo que assim como o tempo traz mudanças, o que me faz feliz é diferente e não menos importante. Posso precisar de mais do que uma pasta sabor uva para me alegrar, mas acredite, precisarei de muito mais que macacos na janela pra sentir o medo que tanto me assombrou um dia. No entanto, não precisarei de coisa alguma pra sentir o medo que me assombra hoje, medo do que desconheço, do quase nada tão cheio de dúvidas que me cerca e bate, enlouquecidamente, à minha janela.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Sempre existe o que não existe mais.


Na infância perdida, em um mundo de sonhos e picolés. No sabor cheiroso dos circos e tardes de Domingo, na saudade ingrata dos abraços sem compromissos, no aperto importuno que faz lembrar o que não pode voltar.

Em um lugar onde nada parecia tanta coisa e as grandes coisas pareciam não pertencer a um mundo real. Doce mundo de fantasias, de sonhos, de querer é poder e não fique parado. Um lugar de todos e com poucos, amigos pra toda vida, pra eternidade de uma tarde, daqui até a eternidade dos minutos próximos. Não que se queira lembrar com pesar, mas que se possa saber que foi bom, que foi boom e que foi, foi e não mais é, foi.

Pessoas que passam e ficam e quando ficam passam, nada é constante, claro, a roda gigante, o parque está na cidade, é hora de chamar todos aqueles que serão pra sempre e que já não estão mais com quem já fui. Saudade, talvez... Fotos, lembranças, brinquedos, promessas. Não sei onde está a confortante voz que me dizia: vai ficar tudo bem.

O grande prazer de saber que se sabe coisas, hoje, tão pequenas. Saber que um vezes qualquer um é sempre ele mesmo. Saber dividir todas as balas, as bolas, as bombas por quantas pessoas estiverem inscritas, quantas pessoas a pró sabia contar? Saber que irmã de mãe é tia. A tia da cantina, da secretaria, lá do prédio.

Na infância, sonhos. Tenho um band-aid posso curar sua ferida, me dê sua mão que eu vou te ajudar. Na minha malinha tinha curativos, retratando a inocência de quem não é esmagado pelo conformismo de que o tempo cura o mundo. Poderia curar, limpar, cobrir, assoprar e dar beijinhos; agora você fica bom, pai. Tempo de acreditar em fadas que se importavam quando lhe era arrancado um dente, parte de si, de mim. Personagens tão reais e impossíveis, talvez um modo de criar alguém que te de esperanças, que te faça esperar, que acredite nas suas crenças e te recompense por sonhar.

Nem tudo era tão fácil, imagina-se o quão difícil saber que naquela manhã não poderia assistir o castelo Rá-tim-bum e nem brincar de ser qualquer um.

Quando chorava o mundo ouvia e se importava, as lágrimas não eram tão velozes para conseguirem terminar de cair, dedos de gente grande apertavam os olhos pequenos de quem só tinha motivos pra sorrir. Mas não sabia. De quem podia gritar, mas não sabia. De quem podia correr onde quisesse e sorrir tão mais que pudesse, mas não sabia. De quem era maior e mais forte que tudo aquilo que a envolvia, mas não sabia. Hoje sabe. Sabe que podia e fez e mês e ano e hoje. Passou, mas não passou a dúvida: por que todo mundo não pode comer e brincar e morar e vestir e sorrir igual, pai?

Passou a crença ingênua na resposta de sempre: um dia, filha! Questionou: um dia quando? Descobriu: amanhã! Pensou: amanhã já é hoje? Concluiu: Amanhã é sempre amanhã.

Não mais criança e o tempo esmaga; FAÇA! FAÇA! FAÇA! Não mais doce se comer tudinho; sem vontade de curar e dar beijinhos. Não mais parque no Domingo; não mais picolé de limão; não mais dentes escondidos no travesseiro; não mais festas no chuveiro. Mas ainda a lembrança resgata o que pode ser esperança. Não, ela não se foi, ainda existe, lá no fundo existe, eu sei que existe, me disseram que existe. Pai, põe a comida pra mim?